Reino Metazoa: Classe Reptilia

Uma das mais importantes subdivisões do filo Chordata constitui-se, indubitavelmente, na classe Reptilia (do latim reptare: “rastejar”), cujo surgimento e desenvolvimento desempenhou um papel fundamental para o estabelecimento e domínio dos ambientes terrestres do planeta pelos cordados. De fato, o despontar da trajetória dos répteis foi acompanhado pela aparição de marcantes inovações evolutivas e adaptações indispensáveis tanto para a conquista dos meios terrestres quanto para o surgimento de grupos posteriores, sobretudo as aves e mamíferos. Evidencia-se, assim, a importância dos integrantes da classe Reptilia para a melhor compreensão da história evolutiva da vida no planeta.

    Além disso, deve-se ressaltar que, ainda na atualidade, os répteis estabelecem importantíssimas relações tanto com os ecossistemas em que se encontram inseridos quanto com o ser humano, o que torna clara a relevância do estudo de tal conjunto de seres vivos. Destarte, dedica-se o presente texto à gloriosa classe Reptilia e ao seu fundamental papel para a construção da biosfera como a vemos na atualidade. Bom proveito.


    Répteis: origens evolutivas e características gerais


    Até cerca de 320 milhões de anos atrás, a presença dos cordados nos ambientes terrestres do planeta era, ainda que verificável, extremamente limitada. De fato, os únicos portadores de corda capazes, na época, de sobreviver fora da água eram os integrantes da classe Amphibia, cuja reprodução ainda dependia de um ambiente aquático para se efetivar. Contudo, com o passar do tempo, as linhas curiosas traçadas pela evolução fizeram surgir, em determinado ramo de anfíbios, uma série de características que, ao garantirem uma maior emancipação de tais organismos em relação à água, contribuíram de maneira decisiva para o surgimento dos répteis.

    Nesse contexto, pode-se destacar, como uma dos mais marcantes inovações evolutivas atreladas à aparição dos primeiros “cordados rastejantes”, o surgimento do ovo amniótico, capaz de se desenvolver fora dos ambientes aquáticos. No caso, tal ovo, devido à presença de uma casca externa calcária e porosa (revestida internamente pelo córion, ligado à realização das trocas gasosas do embrião e à proteção deste e do saco vitelínico) e de um saco amniótico (contendo o âmnio, fluido envolvendo o embrião, responsável pela proteção deste contra o ressecamento e choques mecânicos), destaca-se por sua elevada capacidade de resistência à desidratação e à perda de água, o que permitiu aos primeiros répteis o estabelecimento de processos evolutivos praticamente independentes da presença de água. Observe, na figura abaixo, imagens representativas de um ovo reptiliano (cujos caracteres foram mantidos, em larga escala, nas aves e mamíferos) e de um de origem anfíbia, a partir das quais pode observar-se melhor as principais inovações que levaram aquele a tornar possível a efetiva conquista do meio terrestre pelos cordados:


Figura 1: à esquerda, representação esquematizada de um ovo reptiliano, na qual, além do do âmnio, do córion e da casca, outras estruturas relevantes, como o alantoide (armazena resíduos metabólicos, transporta o cálcio da casca para o embrião  e, juntamente com o córion, efetua as trocas gasosas) e o saco vitelínico (reserva nutritiva, entre outros). À direita, ovos de anfíbios, com constituição gelatinosa e desprovidos de âmnio e casca rígida. Imagens disponíveis em: http://anabeatriz704.blogspot.com/. Acesso em 23 de setembro de 2019.


    Além de produzirem, em geral, um ovo independente de meios aquáticos, os integrantes da classe Reptilia apresentam outros caracteres marcantes e fundamentais para o estabelecimento de tal conjunto de seres vivos na biosfera terrestre. Entre tais aspectos, optou-se por destacar, entre outros:

  1. Formação de uma epiderme impermeabilizada e substancialmente queratinizada, com grande presença de anexos como escamas, placas ósseas e outros. A impermeabilização da pele, apesar de impedir a efetivação da respiração cutânea, garante aos répteis proteção contra o ressecamento e a desidratação, o que também favoreceu a conquista dos habitats terrestres.

  2. Desenvolvimento de pulmões alveolares, com maior superfície de contato e, consequentemente, capacidade respiratória que o dos anfíbios. No caso da classe Reptilia e dos grupos derivados desta, os pulmões são os principais responsáveis pelas trocas gasosas.

  3. Sistema cardiovascular fechado, com formação de um coração tetracameral (2 átrios e 2 ventrículos) nos crocodilianos (a serem abordados, de forma mais aprofundada, em momento posterior) e tricameral (2 átrios e 1 ventrículo) nos demais répteis. Como ocorre uma pequena mistura entre o sangue arterial e o venoso, a circulação é incompleta.

  4. Excreção ocorre por meio dos nefros, contidos por rins. A principal excreta é o ácido úrico, que, por apresentar menor toxicidade que outros compostos nitrogenados, requer menor quantidade de água para ser eliminado (o que também favorece a preservação da água nos répteis).

  5. Disposição lateral dos membros corporais (quando estes estão presentes), o que garante aos répteis a sua alcunha de “cordados rastejantes” (tal disposição posiciona o corpo de tais organismos de forma mais aproximada ao solo). Veja, na imagem abaixo, a foto de um crocodiliano, na qual a disposição lateral de suas  patas é visível.

Figura 2: foto de um réptil pertencente à ordem Crocodilia, com destaque para o posicionamento lateral de seus membros locomotores terrestres. Imagem disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alligator,_Florida.jpg. Acesso em 24 de setembro de 2019.


  1. Formação de uma coluna vertebral óssea, que atua como principal eixo de sustentação corporal, e de uma caixa craniana, relacionada à proteção do encéfalo.

  2. Desenvolvimento de um sistema nervoso sensivelmente mais avançado que o dos anfíbios, com a formação de um encéfalo notável, medula espinal e, em geral, 12 pares de nervos cranianos (além de numerosos pares de nervos espinais).

  3. Reprodução através da fecundação interna (independe de meios aquáticos), ocorrendo sempre o desenvolvimento direto (sem estágio larval). Os répteis são, no geral, ovíparos, podendo também se apresentar (sobretudo no caso de algumas cobras) como ovovivíparos.

  4. Sistema digestório unidirecional e completo, contando com dentes homogêneos (não diferenciados) e com uma saída compartilhada com os sistemas excretor e reprodutivo: a cloaca.

  5. Formação de pálpebras (exceto nas cobras), de uma membrana nictante e outras estruturas ligadas à limpeza e proteção dos olhos;

  6. Temperatura corporal variável, conforme o ambiente. Os répteis são, portanto, ectotérmicos, o que explica a sua maior concentração na zona intertropical da biosfera terrestre (maiores temperaturas médias garantem aos répteis uma maior atividade metabólica);

  7. Presença, sobretudo em serpentes e quelônios, do órgão de Jacobson, responsável pelo aumento da capacidade olfativa em tais seres vivos.


    Cabe destacar também que os répteis, assim como o restante dos cordados, apresentam uma série de características comuns ao filo Chordata e a outros subconjuntos do reino Metazoa, como a triblasticidade, deuterostomia e outros. Vejamos, agora, as principais características que permitem diferenciar os principais grupos de répteis descobertos até a atualidade, como também as principais subdivisões da classe Reptilia.


    Répteis: principais subdivisões


    Como já abordado anteriormente, as classes albergadas pelo filo Chordata podem ser mais precisamente examinadas no tempo em que forem esquadrinhadas as suas basilares subdivisões. Ato contínuo, localizam-se percrutadas abaixo breves descrições expositivo-explicativas a despeito das medulares ordens por meio das quais a classe Reptilia desdobra-se.


  • Ordem Chelonia (em suma tartarugas, jabutis e cágados):

    Figura 3: Esqueleto de tartaruga. (A) Plastrão e (B) carapaça, mostrando a relação entre partes ósseas e com tensão da concha de uma tartaruga de água doce. Áreas sombreadas indicam partes da concha com tensão; linhas escuras indicam articulações no osso subjacente. (C) Relação entre os ossos dérmicos (plastrão e carapaça) e o esqueleto axial em uma tartaruga marinha. Imagem disponível em: https://www.britannica.com/animal/turtle-reptile. Acesso em 24 de setembro de 2019.


Os quelônios são os répteis mais prontamente cognocíveis na natureza. Determinados traços morfológicos os aproximam dos vertebrados amniotas primordiais, todavia, em outros aspectos, os quelônios são tão tipificados que torna-se ímprobo correlacioná-los aos demais vertebrados. O casco é o caráter mais distintivo, mas o esqueleto como um todo acha-se igualmente modificado. A fusão das costelas ao casco impede que esses animais utilizem-se de  movimentos da caixa torácica para inspirar/expirar, como ocorre nos lagartos durante a respiração. Todos os quelônios são ovíparos e nenhum exibe cuidado com a prole. O desenvolvimento embrionário de algumas espécies é bastante peculiar, sendo o sexo de um indivíduo determinado pela temperatura a que este é exposto no ninho. Os quelônios são desprovidos de dentes, portando um bico córneo formado pelas maxilas inferior e superior.


  • Ordem Crocodilia (em suma jacarés, crocodilos e gaviais):

Figura 4: foto de um réptil integrante da ordem Crocodilia, que se destaca por apresentar numerosas características comuns perante a classe das aves (incluindo o gosto de sua carne). Imagem disponível em: google images. Acesso em 25 de setembro de 2019.


Esses animais vivem, geralmente, em ambientes quentes, habitando rios e lagos de água doce, sendo assim, são poucas as espécies encontradas em água salgada. Os animais da ordem Crocodilia são carnívoros que apresentam escamas córneas reforçadas por placas ósseas dérmicas. O coração é dividido em quatro cavidades e os sentidos são bem desenvolvidos. Possuem entre 30 e 40 dentes e o osso palato se prolonga, separando a cavidade nasal da cavidade bucal. A cauda achatada e musculosa contribui para que o animal se defenda, além de contribuir para o seu deslocamento na água.

  • Ordem Squamata (em suma, serpentes e lagartos):


Figura 5: representantes da ordem Squamata, notadamente uma cobra (na esquerda) e um lagarto (na direita). Imagem disponível em: google images. Acesso em 25 de setembro de 2019


São os mais abundantes e diversificados répteis na natureza. Esses animais possuem o corpo inteiramente coberto por escamas, sendo divididos em três subordens: lacertílios (lagartos em geral), amphisbaenídios (cobra-de-duas-cabeças) e serpentes ou ofídios (cobras em geral). Por causa da importante característica da presença de escamas, são chamados de escamados. Os escamados podem ser encontrados por praticamente todo o planeta, não existindo apenas nos polos. As escamas, a língua bifurcada e o hemipênis (par de órgãos copulatórios típico dos escamados) constituem características típicas desses grupo de répteis.


  • Ordem Sphenodonta (tuataras da Nova Zelândia):


Figura 6: foto de tuatara da Nova Zelândia, uma das poucas espécies integrantes da ordem Sphenodonta. Imagem disponível em: google images. Acesso em 25 de setembro de 2019.


Os tuataras da Nova Zelândia são os únicos representantes vivos dessa ordem e são encontrados apenas na Nova Zelândia. Não são considerados lagartos por não possuírem algumas características, como: não possuem ouvido externo, possuem uma extensão de suas costelas em forma de ganchos, apresentam duas grandes aberturas em cada lado do crânio, além de machos não possuírem pênis. Possuem, no alto da cabeça, o que alguns chamam de terceiro olho: o olho pineal, que é revestido por uma escama opaca que se desenvolve na medida em que o animal cresce. O olho pineal é ligado à glândula pineal, tendo uma conexão nervosa junto ao cérebro e é formado por retinas e lentes, sendo capaz de identificar mudanças na luminosidade do ambiente.


Répteis: importância ecológica, econômica e sociocultural


    Em termos evolutivos, deve-se destacar que o surgimento da classe Reptilia, assim como das inovações a ela atreladas, constituiu-se em um marco decisivo para a história tanto dos cordados quanto da vida como um todo no planeta Terra. De fato, a aparição dos répteis, associada à efetiva conquista do meio terrestre pelos “portadores de corda”, trouxe mudanças radicais aos ecossistemas até então presentes na biosfera terrestre, o que evidencia o relevante papel desempenhado pelos “cordados rastejantes” para o desenvolvimento da vida como a vemos na atualidade. Soma-se a isso o fato de que fora a partir dos integrantes da classe Reptilia que se originaram as aves e os mamíferos (entre os quais se encontra o Homo sapiens sapiens, vulgarmente denominado de “homem moderno”), evidenciando-se, assim, a enorme importância dos répteis para a trajetória da evolução na Terra.

    Se, por um lado, os “cordados rastejantes” desempenharam um importante papel para a caminhada da vida sobre o curioso planeta atualmente denominado de Terra, tal conjunto de seres vivos ainda possui, na atualidade, uma enorme importância ecológica e ambiental, uma vez que os répteis relacionam-se intimamente com a manutenção dos habitats em que estão inseridos. Tal afirmação, no caso, é evidenciada pelo fato de que estes seres vivos ocupam relevantes posições  nas mais diversas cadeias alimentares, atuando também no controle das populações de outros grupos de organismos (sobretudo artrópodes), conforme pode ser visto na figura abaixo. Além disso, os répteis estabelecem importantes relações simbióticas com outros seres vivos (como é o caso das lagartixas, que, em meios urbanos, obtém seu alimento através da predação de insetos, aracnídeos e outros artrópodes considerados indesejáveis pelo ser humano, entre outros exemplos), o que torna visível o seu profundo impacto sobre a biosfera terrestre.

Figura 3: camaleão, um dos mais esbeltos répteis já vistos na Terra, capturando um inseto para a sua alimentação. A classe Reptilia abriga um grande número de importantes predadores, o que revela o papel de tal conjunto de seres vivos para o controle das populações de organismos como os artrópodes (que, em número excessivo, podem ser extremamente prejudiciais ao ambiente em que se encontram) e outros. Imagem disponível em: g1.globo.com/natureza/noticia/2013/03/estudo-afirma-que-origem-do-camaleao-e-africa-continental.html. Acesso em 24 de setembro de 2019.


    No tocante às relações estabelecidas entre répteis e seres humanos, cabe destacar a participação de alguns “cordados rastejantes” na culinária em diversas localidades do planeta, o que pode ser visto, por exemplo, quando considerado o consumo de carne de crocodilianos no Pantanal Brasileiro e em outras regiões do mundo. Ademais, alguns integrantes da classe Reptilia relacionam-se intimamente com setores produtivos e industriais específicos, sobretudo na indústria de couros (que faz uso da epiderme altamente queratinizada de alguns répteis, sobretudo crocodilianos) e no ramo farmacêutico (onde se destacam as polêmicas cobras peçonhentas, que, apesar de serem mal-vistas por poderem - quando ameaçadas - atacar e potencialmente matar seres humanos, produzem compostos importantíssimos para o desenvolvimento e produção de numerosos medicamentos). 

Por fim, cabe destacar que os répteis sempre permearam o imaginário humano: desde o uso da figura da serpente como símbolo da eternidade, rejuvenescimento e reencarnação em diversas mitologias (como é o caso de ouroboros, mostrado abaixo), até a produção de filmes abordando a temática dos dinossauros e a ressurgência da simbologia da serpente no desenvolvimento da Teoria do Eterno Retorno (por Nietzsche), os “cordados rastejantes” fazem parte das diversas culturas presentes no planeta, influenciando, também, o modo com o qual os seres humanos enxergam o mundo ao seu redor.


Figura 4; a figura da serpente sempre foi relacionada à ideia de ressurreição, da passagem do tempo e do ciclo da vida. Nesse contexto, a sucessão infinita do tempo e a ciclicidade dos eventos pode ser bem representada pelo símbolo de ouroboros, à esquerda. Dessa forma, a figura da serpente também tem grande valor nas mais diversas mitologias, como é o caso de Quetzalcoatl (na direita), deus da morte e da ressurreição para os astecas. Figuras disponíveis em: https://www.britannica.com/topic/Quetzalcoatl. Acesso em 24 de setembro de 2019.


Referências Bibliográficas:


https://www.portalsaofrancisco.com.br/biologia/classe-reptilia 

https://www.infoescola.com/biologia/repteis-classe-reptilia/ 

http://segundocientista.blogspot.com/2015/08/a-grande-inovacao-dos-repteis-o-ovo.html 

http://segundocientista.blogspot.com/2015/08/classe-reptilia.html 

https://www.infoescola.com/bioquimica/acido-urico/ 

https://www.infoescola.com/animais/orgao-vomeronasal/ 

http://www.biologia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=474&evento=3 

https://www.dicionariodesimbolos.com.br/ouroboros/ 

https://www.revistaplaneta.com.br/veneno-de-cobra-uma-toxina-que-pode-matar-ou-curar/ 

FAVARETO, J. A. Biologia, unidade e diversidade 2° ano. Editora FTD

Conteúdos trabalhados em sala de aula com o excelentíssimo professor Paim 




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