Reino Metazoa: Filo Chordata


    O filo Chordata (do grego chorda: “corda”), constitui-se, inegavelmente, em um dos mais diversificados e relevantes conjuntos de seres vivos presentes no planeta Terra. De fato, tal subdivisão do reino Metazoa destaca-se não só pelo grande impacto que os seus integrantes possuem sobre os mais diversificados ecossistemas terrestres, como também pelo fato de que o próprio Homo sapiens sapiens, melindrosamente denominado de “homem moderno” na atualidade, pertence ao filo dos cordados. Evidencia-se, portanto, a importância do estudo do filo Chordata para se compreender melhor tanto a história da vida no planeta quanto a trajetória nele estabelecida pelos seres humanos.
    Para se poder analisar, de forma aprofundada, os cordados em toda a sua diversidade e complexidade, torna-se fundamental o estudo dos primeiros passos trilhados por esse grupo de metazoários na biosfera terrestre. Assim, poder-se-á compreender as novidades evolutivas e apomorfias compreendidas pelo Filo Chordata e a relação estabelecida entre elas e o sucesso evolutivo de tal conjunto de seres vivos.
    Conforme o que fora introduzido acima, segue, abaixo, um texto focado no surgimento dos cordados, como também nos primeiros conjuntos de seres vivos pertencentes a tal filo. Bom proveito.

    Filo Chordata: possíveis origens evolutivas e principais apomorfias

    Embora, ainda na atualidade, o processo pelo qual os primeiros cordados surgiram não tenha sido completamente esclarecido, costuma-se creditar aos integrantes do filo Echinodermata a origem do mais recente e derivado grupo de metazoários na Terra. Tal posicionamento, no caso, é reforçado pelas grandes semelhanças verificadas entre as larvas de equinodermos (com simetria bilateral, ao contrário dos indivíduos adultos) e às pertencentes aos hemicordados (ver mais adiante), conjunto de organismos vermiformes que constitui uma possível ligação evolutiva entre os filos Echinodermata e Chordata. Soma-se a isso o fato de que, excetuando-se os cordados, os equinodermos compreendem a única subdivisão do reino Metazoa a apresentar um surgimento secundário da boca (deuterostomia), fator que revela a grande proximidade evolutiva entre os dois filos. Veja, na figura abaixo, uma larva de um equinodermo e um hemicordado:


Figura 1: à esquerda, representação ilustrada de um hemicordado adulto. À direita, larva de um equinodermo. Repare na simetria bilateral apresentada por tal larva. Figura disponível em:  https://www.ecured.cu/Hemicordados. Acesso em 04 de setembro de 2019.

    Dessa forma, conclui-se que, por derivarem dos equinodermos (cenário mais provável), os cordados apresentam uma série de características comuns aos seus antecessores, incluindo-se aí a triblasticidade, a deuterostomia e a presença de um enteroceloma, entre outros elementos. Contudo, o surgimento do Filo Chordata ocorreu concomitantemente à aparição de relevantes novidades evolutivas que, além de contribuírem para o sucesso evolutivo do filo, permitem a sua diferenciação perante o restante do reino Metazoa. São, portanto, as apomorfias dos cordados, entre as quais cabe destacar:

  1. Presença de uma notocorda, bastão mesodérmico que atua como eixo de sustentação do corpo do organismo (pode formar o esqueleto axial em alguns cordados) e como base para a formação de um tubo neural oco;
  2. Surgimento de um tubo neural oco dorsal, ligado ao desenvolvimento do sistema nervoso (nos vertebrados, diferencia-se em medula espinal e o encéfalo);
  3. Presença de fendas faríngeas, estruturas ligadas à formação das brânquias (no caso dos cordados de vida aquática) ou de grandes vasos sanguíneos (incluindo o arco aórtico);
  4. Coração em posição ventral, caractere ligado à maior proteção e eficiência cardiorrespiratória (maior proximidade perante as brânquias) trazidos por tal posicionamento;
  5. Existência de um epitélio de revestimento diversificado, que pode se encontrar diferenciando em placas ósseas, penas, pelos, escamas e outros;
  6. Formação de tecidos musculares segmentados (músculos divididos em numerosos segmentos de miócitos), o que permitiu aos cordados maior possibilidade de movimentos e maiores explosões musculares;
  7. Presença de uma cauda pós-anal musculosa, e ligada fundamentalmente à locomoção.
  8. Existência, próximo à região de formação das fendas faríngeas, de uma estrutura denominada endóstilo, ligada à formação das glândulas tireoide e salivares (no caso destas últimas, apenas em cordados de vida terrestre).

Observe o desenho abaixo, no qual se encontra representado um cordado hipotético, com todas as apomorfias acima descritas:

 
Figura 2: representação de um cordado ancestral hipotético, na qual se evidenciam as apomorfias do Filo Chordata. Imagem disponível em: http://supercienciacia.blogspot.com/2015/11/cordados.html. Acesso em 04 de setembro de 2019.


    Filo Chordata: os primeiros cordados

    Conforme já fora ressaltado anteriormente, o estudo e análise do surgimento e desenvolvimento dos primeiros cordados (também chamados de protocordados) possui fundamental importância para a compreensão da história evolutiva estabelecida pelo filo Chordata na biosfera terrestre. Nesse contexto, pode-se dividir, de acordo com diversos critérios, o conjunto dos protocordados em 3 grupos principais: hemicordados (ainda que com alguma polêmica), urocordados e cefalocordados. Veja, a seguir, a descrição e caracterização de cada um desses subconjuntos, assim como a importância dos mesmos para o estudo da trajetória dos cordados no planeta.

Hemicordados: um caso particular

Compreendendo um pequeno conjunto de seres vermiformes com habitat exclusivamente aquático (no caso, marinho), o filo Hemichordata (do grego hemi: metade, e chorda: corda) destaca-se sobremaneira devido ao seu papel para o estudo do surgimento dos cordados, uma vez que os integrantes de tal filo frequentemente são apontados como os principais antecessores dos “portadores de corda”. Tal posicionamento, no caso, deve-se ao grande número de características comuns apresentadas entre os hemicordados e os cordados, entre as quais cabe destacar: a bilateralidade, a deuterostomia e a presença de fendas faríngeas (responsáveis pelo surgimento das brânquias nos hemicordados), entre outros caracteres. Observe as imagens na página seguinte, representativas tanto dos hemicordados quanto de sua organização corporal:

Figura 3: à esquerda, desenho representativo da organização corporal de um hemicordado. À direita, foto de um espécime de tal filo (ou subfilo, de acordo com alguns membros da comunidade científica). Além de serem similares, em muitos aspectos, aos cordados, os hemicordados destacam-se por possuírem sistema digestório completo, estruturas excretórias denominadas glomérulos e respiração branquial, entre outros caracteres.. Figura disponível em: https://www.colegioweb.com.br/cordados-protocordados/subfilo-hemichordata.html. Acesso em 04 de setembro de 2019.

Além disso, cabe destacar que, ainda na atualidade, as semelhanças e diferenças entre os cordados e hemicordados são responsáveis pelo surgimento de relevantes debates científicos ligados à classificação destes dentro do reino Metazoa: enquanto que a caracterização do conjunto Hemichordata enquanto divisão do filo Chordata (dentro do grupo dos protocordados) é embasada pelas profundas semelhanças apresentadas entre ambos os grupos de seres vivos, a análise de algumas diferenças entre os hemicordados e cordados (como a ausência de uma notocorda de fato naqueles - que possuem uma estrutura denominada de estomocorda) permite classificar os portadores de estomocorda como membros de um filo à parte: o filo Hemichordata. 

Urocordados

Abrigando organismos com vida predominantemente séssil e dieta filtradora, o subfilo Urochordata (do grego oura: cauda, e chorda: corda) abriga, indubitavelmente, alguns dos mais antigos cordados que já viveram no planeta terra, possuindo como seu principal representante contemporâneo as ascídias.
Caracterizados pelo uso da tunicina como polissacarídeo de revestimento externo (o que permite denominá-los de tunicados), os urocordados, a princípio, pouco parecem se assemelhar ao restante dos integrantes do filo Chordata, já que não apresentam, em sua vida adulta, muitas das apomorfias fundamentais dos cordados. De fato, entre os “portadores de corda”, os tunicados adultos chamam a atenção por não apresentarem notocorda, tubo neural dorsal oco (seu sistema nervoso é ganglionar) e cauda pós-anal, caracteres marcantes para a definição do conceito biológico de “cordado”. Contudo, tais elementos podem ser verificados ainda no estágio larval dos urocordados (incluindo a notocorda, cuja localização na cauda das larvas explica a nomenclatura utilizada para o filo dos tunicados), degenerando-se (total ou parcialmente) na vida adulta. Observe a figura abaixo, na qual se pode comparar, com maior facilidade, as diferenças morfofisiológicas entre uma ascídia adulta e uma no estágio larval:


Figura 4: à esquerda, ascídia adulta, na qual se destacam seus sifões inalante e exalante. À direita, larva de ascidia, em que é possível identificar as apomorfias e caracteres fundamentais ao filo Chordata. Figura disponível em: https://www.infoescola.com/biologia/classe-ascidiacea-ascidias/. Acesso em 04 de setembro de 2019.

    Ainda sobre os urocordados, faz-se importante afirmar que a comunicação entre o organismo adulto e o ambiente ao seu redor ocorre por intermédio dos sifões inalante (responsável pela entrada de alimentos, oxigênio e outros) e exalante (ligado à eliminação de excretas e gametas), fundamentais para a sobrevivência dos tunicados. Ademais, estes possuem sistema digestório completo, respiração branquial, sistema nervoso ganglionar, reprodução assexuada (por brotamento) ou sexuada (com desenvolvimento direto) e circulação semi-aberta, coordenada por um coração ventral capaz de alterar o sentido do fluxo de sangue. Nesse contexto, a ilustração esquematizada abaixo é digna de nota, caso se queira analisar melhor a conformação estrutural nos urocordados adultos.


Figura 5: ilustração esquematizada representando um tunicato em fase adulta. Note a importância da cesta faríngea para a captação do alimento nesses melindrosos organismos filtradores. Figura disponível em: http://unc-biologia.blogspot.com/2012/01/diversidad-animal-2.html. Acesso em 04 de setembro de 2019.


    Cefalocordados:

    Abrigando cerca de 30 espécies e sendo representado principalmente pelos anfioxos, o subfilo Cephalochordata (do grego kephalé: cabeça, e chorda: corda), constitui-se, ao lado do subfilo Tunicata, num dos mais antigos subconjuntos do filo Chordata. 
Os animais pertencentes à esse grupo são pequenos (com alguns centímetros de comprimento), finos, com o corpo achatado lateralmente, transparentes, possuem extremidades anterior e posterior afiladas e vivem enterrados em substratos arenosos, deixando apenas a cabeça de fora. Veja a figura abaixo, na qual se verfica a presença de um anfioxo parcialmente enterrado na areia.



Figura 6: Imagem de anfioxo adulto em condições naturais, onde é possível observar algumas das apomorfias do filo Chordata, como a barbatana pós-anal e as fendas faringianas(brânquias). Figura disponível em: https://www.sobiologia.com.br/conteudos/Reinos3/bioanimal2.php. Acesso em 08 de setembro de 2019.

Ao contrário dos urocordados, os cefalocordados apresentam, durante a vida adulta, a notocorda, o tubo neural oco dorsal e outras apomorfias características do filo Chordata. Pode-se afirmar, portanto, que, em relação aos tunicados, os integrantes do subfilo Cephalochordata sofreram um processo de pedomorfose (manutenção de características larvais no indivíduo adulto), indispensável para o surgimento dos cordados posteriores.
Ainda com relação aos cefalocordados, cabe afirmar que estes possuem, em semelhança a seus antecessores, uma dieta fundamentalmente filtradora: o alimento (partículas orgânicas) é obtido diretamente da água, sobretudo através da filtração exercida pelas fendas faríngeas (que, no caso do anfioxo e de outros cefalocordados, possui função ligada predominantemente à alimentação, ao contrário do que ocorre com os cordados posteriores). Posteriormente, o material orgânico obtido é direcionado a um sistema digestório completo e unidirecional (com digestão extracelular), cujos resíduos, assim como a água filtrada pelo cefalocordado, são eliminados através de uma cavidade denominada atrióporo.
O sistema circulatório é fechado. A respiração, por sua vez, é predominantemente cutânea (trocas gasosas na epiderme do organismo), sendo o papel das fendas faríngeas limitado no tocante a tal função. Veja, nas figuras abaixo, representações esquematizadas do anfioxo, bem como de suas principais características.


Figura 7: à esquerda, Ilustração esquematizada representando um anfioxo, representante dos cefalocordados, onde é possível observar toda a sua composição, inclusive suas apomorfias. Perceba as grandes semelhanças morfo-fisiológicas entre o anfioxo e uma larva de um urocordado, que podem indicar que os cefalocordados constituem-se, na verdade, em versões derivadas dos tunicados que foram desprovidas de sua fase adulta.  Figura disponível em: https://www.portalescolar.net/2011/07/anfioxos-cefalocordados-cephalochordata.html. Acesso em 08 de setembro de 2019. À direita, representação de cada uma das apomorfias do filo chordata em um anfioxo e onde elas se localizam. Figura disponível em: https://alunosonline.uol.com.br/biologia/cordados.html

    No tocante à reprodução, cabe ressaltar que os cefalocordados são dióicos (sexos separados) e apresentam reprodução sexuada, com fecundação externa e evidentemente cruzada e com o desenvolvimento de um estágio larval (desenvolvimento indireto). Na figura abaixo, pode ser observado, de forma mais detalhada, o ciclo de vida dos integrantes do subfilo Cephalochordata.



Figura 8: esquema representando o ciclo de vida e reprodução dos cefalocordados, no qual se evidencia a formação de um estágio larval (característico do desenvolvimento indireto). Figura disponível em: google images. Acesso em 08 de setembro de 2019.


    Referências Bibliográficas:





FAVARETO, J. A. Biologia, unidade e diversidade 2° ano. Editora FTD

Conteúdos trabalhados em sala de aula com o excelentíssimo professor Paim

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