Reino Metazoa: Filo Artrophoda
Presentes em praticamente todos os habitats no mundo (à exceção, em geral, das zonas polares), e constituindo o grupo mais numeroso e diversificado de seres vivos conhecido pelo ser humano, os artrópodes são, indubitavelmente, um dos maiores exemplos da capacidade da vida se adaptar (como também prosperar) nos mais diversos meios. Contando com mais de um milhão de espécies documentadas, o Filo Arthropoda (do grego artro: articulação, e podos: patas), além de ter um grande impacto sobre a biosfera como um todo, está ligado ao surgimento de inúmeras novidades evolutivas fundamentais tanto para o grande sucesso do filo quanto para a compreensão da derivação e evolução dos metazoários. Assim, dedica-se a presente postagem aos artrópodes, suas características gerais e importância. Bom proveito.
Artrópodes: origens evolutivas e características gerais
Embora o estudo e análise do surgimento dos artrópodes seja, ainda na atualidade, objeto de grandes debates no âmbito da comunidade científica, acredita-se que os integrantes do Filo Arthropoda tenham surgido a partir dos anelídeos (ou que ambos os grupos possuam um ancestral em comum), há cerca de 500 milhões de anos. Tal hipótese, no caso, é corroborada pela presença de numerosas semelhanças entre os artrópodes e o filo Annelida, entre as quais se destaca a metameria ou segmentação. Soma-se a tal fator a presença de um grupo de um grupo de seres vivos denominados ornicóforos (ver imagem abaixo), que, ao apresentar caracteres comuns tanto a anelídeos quanto artrópodes, pode desempenhar o papel de "elo evolutivo" entre os dois filos.
Figura 1: à esquerda, esquema representando o possível surgimento dos artrópodes (no caso, de um integrante do subfilo Uniramia) a partir de um anelídeo. Note que, em tal processo, os metâmeros, inicialmente muito similares entre si, uniram-se e diferenciaram-se, originando estruturas especializadas em determinadas funções. Tal transformação é denominada de tagmatização. À direita, foto de um ornicóforo ("verme veludo"), em cujo estudo pode ser encontrada a chave para a compreensão do surgimento dos artrópodes. Imagens disponíveis em: http://segundocientista.blogspot.com/2015/08/filo-arthropoda.html. Acesso em 21 de julho de 2019.
A partir daí, já é possível estabelecer uma importante característica presente no filo Arthropoda: a divisão do corpo em numerosos segmentos, relacionados a funções específicas (ver descrição abaixo da Figura 1). Ademais, os artrópodes apresentam outras notáveis características em comum, entre as quais vale destacar:
- Organização triblástica celomada: assim como os anelídeos, os artrópodes são formados por três folhetos embrionários (ectoderma, mesoderma e endoderma) e por um celoma verdadeiro. Ademais, no filo Arthropoda, o blastóporo gastrular é responsável pela formação da boca, o que caracteriza a protostomia.
- Simetria Bilateral: Assim como a maior parte dos demais metazoários, os artrópodes são marcados pela sua bilateralidade, fundamental para o seu melhor deslocamento;
- Tagmatização: Ao contrário dos anelídeos (que se encontram divididos em metâmeros muito similares entre si), os artrópodes possuem tagmas (oriundos da fusão e especialização dos metâmeros) correlacionados a funções específicas e diferenciados entre si. Nesse contexto, faz-se importante afirmar que, enquanto aracnídeos e crustáceos possuem apenas dois tagmas principais (cefalotórax, ligado à percepção sensorial, organização e movimentação; abdome, responsável por abrigar a maior parte dos órgãos vitais), os insetos apresentam três tagmas especializados (cabeça: percepção sensorial e coordenação nervosa; tórax: locomoção; abdome: órgãos vitais). Quilópodes e diplópodes apresentam, em geral, uma cabeça e numerosos segmentos.Figura 2: Diferentes formas de tagmatização em aracnídeos, insetos e quilópodes. Figura disponível em: http://segundoanobiologia.blogspot.com/2013/10/artropodes.html. Acesso em 21 de julho de 2018
- Presença de apêndices articulados: Os artrópodes em geral possuem, sobretudo na região do tórax (ou cefalotórax, em aracnídeos e crustáceos, ou ainda segmentos, nos quilópodes e diplópodes), uma série de anexos que, formados por segmentos articulados entre si, ligam-se à capacidade de movimentação dos artrópodes. Entre tais estruturas, destacam as pernas, cuja contagem pode ser utilizada, inclusive, para diferenciar os numerosos grupos contidos pelo Filo Arthropoda.
- Presença de um exoesqueleto externo: Um dos caracteres mais notáveis entre os artrópodes, o exoesqueleto externo desempenha um papel fundamental não só quanto à proteção do ser vivo considerado, como também à sustentação de seus apêndices corporais e inclusive à comunicação (cores, etc.). No caso, como o exoesqueleto em artrópodes é rígido (dada sua composição baseada sobretudo em quitina), o crescimento nos integrantes do filo Arthropoda é periódico. Dependendo de um fenômeno denominado ecdise (ou muda).Figura 3: À esquerda, processo de ecdise em um inseto. Na muda, os artrópodes abandonam seu esqueleto rígido para poderem crescer, ao passo que ocorre a formação de um novo exoesqueleto. Até este ser formado, contudo, o artrópode se encontrará vulnerável. A ecdise também explica o porquê de o crescimento em artrópodes ser periódico, como mostrado no gráfico à direita. Disponível em: https://www.estudokids.com.br/exoesqueleto-o-que-e-como-e-formado-e-animais-que-tem/. Acesso em 21 de julho de 2019.
- Sistema cardiovascular lacunar: Diferentemente do que acontece com anelídeos e alguns moluscos, o sistema circulatório dos artrópodes é, em geral, aberto, com a presença de lacunas (hemocele) pelas quais o sangue bombeado pelo coração passa. No caso, predomina o pigmento hemocianina, que garante uma coloração transparente ou levemente azulada ao sangue dos artrópodes. Ademais, na maior parte dos casos, o sistema circulatório se encarrega apenas do transporte de nutrientes, e não de oxigênio.
- Sistema respiratório: A maior parte dos artrópodes, sobretudo os insetos, possui respiração traqueal, efetivada por numerosas estruturas denominadas traqueias, que se comunicam com o meio externo através de espiráculos. Como o sangue geralmente não carrega o oxigênio no Filo Arthropoda, o transporte dessa substância é feito diretamente pelas traqueias. Os crustáceos em geral, por sua vez, apresentam respiração branquial, marcada pela obtenção do oxigênio a partir da água. Por fim, alguns aracnídeos possuem também a respiração filotraqueal, na qual o oxigênio capturado pelas filotraqueias ("pulmões-livro") é transportado pelo sangue.Figura 4: da esquerda para a direita, e de cima para baixo, representações gráficas da respiração traqueal, branquial e filotraqueal, respectivamente. Disponível em: http://slideplayer.com.br/slide/5644972/. Acesso em 21 de julho de 2019
- Sistema nervoso centralizado: durante o surgimento dos artrópodes a partir dos anelídeos, a gradual especialização e fusão dos metâmeros acarretou a migração dos gânglios nervosos (presentes em cada metâmero no Filo Annelida) para a região em que se formou a cabeça dos artrópodes (ou cefalotórax). Tal processo acarretou o surgimento de um sistema nervoso centralizado no Filo Arthropoda, com a presença de gânglios cerebrais mais desenvolvidos que nos filos anteriores.
- Túbulos de Malpighi: presentes predominantemente nos artrópodes de vida terrestre, os túbulos de Malpighi encarregam-se da excreção dos resíduos metabólicos produzidos pelo organismo em questão (figura abaixo). Nos crustáceos em geral, a eliminação de resíduos ocorre próximo às antenas, por meio de estruturas denominadas antenais.Figura 5: esquema representando os túbulos de Malpighi em uma formiga. Disponível em: http://slideplayer.com.br/slide/397907/. Acesso em 21 de julho de 2019.
- Reprodução: na grande maioria dos casos, os artrópodes são dioicos (sexos separados) e reproduzem-se sexuadamente, com a ocorrência da fecundação interna. Em alguns crustáceos, a fecundação, todavia, pode ser externa. Além disso, o processo de desenvolvimento dos artrópodes pode ser dividido em três categorias principais: direto (ametábolos), indireto com metamorfose parcial (hemimetábolos) ou indireto com metamorfose completa (holometábolos).Figura 6: Da esquerda para a direita, de cima para baixo: desenvolvimento direto em traças, que são ametábolas; metamorfose parcial em grilos (presença de uma fase de ninfa, menor e sem asas), hemimetábolos; metamorfose completa em besouros (holometábolos), com a ocorrência das fases de larva, epupa e, finalmente, do indivíduo adulto. Disponível em: http://segundocientista.blogspot.com/2015/08/filo-arthropoda.html. Acesso em 21 de junho de 2019.
Artrópodes: cladograma e classificação
O Filo Arthropoda, por compreender o mais numeroso e diversificado conjunto de seres vivos já estudado pelo ser humano, possui, evidentemente, numerosas subdivisões, que permitem a compreensão da imensidão do grupo dos artrópodes. Embora a classificação dos artrópodes seja, ainda na atualidade, discutida por diversos cientistas, optou-se por se apresentar, na presente postagem, uma subdivisão simplificada de tão amplo filo, através de um cladograma acompanhado pelos critérios de divisão adotados. Veja:
Figura 7: Cladograma do Filo Arthropoda, contendo as principais características do filo e de suas subdivisões. Observe que o desenvolvimento de asas, exclusivo aos insetos, desempenhou um papel fundamental para a rápida dispersão destes em quase toda a biosfera. Note também que o nome do subfilo Chelirata deriva de um par de estruturas denominadas quelíceras, com as quais alguns aracnídeos inoculam toxinas. Disponível em: http://segundocientista.blogspot.com/2015/08/filo-arthropoda.html. Acesso em 21 de julho de 2019.
- Subfilo trilobita: compreendendo o grupo mais antigo de artrópodes a surgir no planeta, os trilobitas, embora já extintos, são de relevante importância para o estudo da evolução dos metazoários no planeta, dadas as suas similaridades (ao menos em parte) com os anelídeos e com o subfilo Chelicerata.
- Subfilo chelicerata: compreendendo as aranhas, escorpiões, ácaros e outros, os chelicerata apresentam, como característica definidora, a presença de quelíceras (ligadas à alimentação e, em alguns casos, à inoculação de toxinas) enquanto primeiro par de apêndices articulados, e pedipalpos (no caso dos escorpiões, originam as garras), que podem prender ou cortar presas. Ademais, os chelicerados, de forma geral, apresentam digestão externa, como é o caso das aranhas, que injetam enzimas digestivas em suas presas antes de consumi-las.
- Subfilo crustácea: apresentando 5 ou mais pares de patas locomotoras, os crustáceos vivem predominantemente em ambientes aquáticos, embora grupos como o do tatuzinho de jardim possam viver permanentemente em ambiente terrestre (contanto que haja relevante umidade). Ademais, os crustáceos podem apresentar um par de garras, formadas derivadas de seu primeiro par de patas.
- Subfilo uniramia: trata-se da divisão mais ampla e diversificada do filo Arthropoda. Compreende duas classes principais: a hexápoda (insetos, com três pares de pernas, asas - geralmente - e olhos compostos) e a miriápoda (compreende os quilópodes, com um par de pernas por segmento, e os diplópodes, com 2 pares por segmento).
Fonte: Google Images.
Artrópodes: importância
Os artrópodes constituem, incontestavelmente, o mais bem sucedido e adaptado filo do Reino Metazoa presente no planeta. Tal afirmação é evidenciada quando considerada a imensidão de espécies de artrópodes até hoje conhecidas, o que também revela o grande impacto do Filo Arthropoda na biosfera terrestre. Ademais, os artrópodes desempenham importantes papéis nas cadeias alimentares em que se encontram inseridos, o que evidencia a relevância que possuem para a sustentação e desenvolvimento da vida na Terra.
No tocante às relações estabelecidas com os seres humanos, os artrópodes podem ser vistos tanto de uma forma negativa (muitos insetos constituem pragas às plantações ou podem transmitir doenças, entre outros casos) quanto positiva (muitos artrópodes podem ser utilizados no controle de pragas, enquanto que a análise da peçonha de alguns aracnídeos pode resultar em significativos avanços na medicina), o que evidencia o impacto desse grupo de seres vivos sobre nós, humanos.
Referências Bibliográficas:
FAVARETTO, J.A. Biologia: unidade e diversidade 2. São Paulo, 2016: Editora FTD
Conteúdos trabalhados em sala de aula pelo excelentíssimo professor Paim
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